Fogo a Bordo

A ODISSÉIA DE ANTÔNIO ASTOLFI & THERESA AZZALINI DURANTE A VIAGEM AO BRASIL NO VAPOR RIGHI

A história do balde e a quase tragédia do navio que em 1885 trouxe 862 imigrantes italianos ao Brasil, entre eles, a família de Antonio Astolfi e Tereza Azzalini.

Entre as muitas histórias que enriqueceram nossa infância, uma foi contada e recontada inúmeras vezes por nossos pais, renovando, cada vez, em nossas almas, um mundo de emoções, porque sabíamos ter sido verdadeira, pois fora vivida por nossos avós paternos em sua viagem de emigração da Itália para o Brasil: O incêndio no vapor Righi em que viajavam e que, por pouco, não se transformou em tragédia para centenas de famílias italianas.

A história que a tradição oral conta

Em 1883, estabeleceu-se em Arroio Grande o colono-imigrante Pietro Londero, oleiro, partido de Gênova, Itália em 1882. Ocupou os lotes 40 e 41, tornando-se vizinho da família de Francesco Sartori, lá instalado desde dezembro de 1879.

Em sua bagagem, Londero trouxera uma estampa de Nossa Senhora do Rosário em caixilho de 40×70 cm, que foi pendurada na parede do rancho primitivo que lhe servia de morada e que logo se tornou ponto de reunião dos moradores dos lotes vizinhos que, aos domingos, em conjunto, recitavam o rosário.

Desses encontros, surgiu a ideia de uma capela a ser construída nas terras planas e de fácil acesso do Sartori e que seria dedicada a Mãe do Rosário, cuja imagem poderia ser trazida da Itália por um parente e conterrâneo de Londero, que em breve emigraria de Odine.

Feita a encomenda, em dezembro de 1884 embarcava em Gênova com destino ao Brasil, mais precisamente para Arroio Grande no Rio Grande do SuI, Giorgio Londero com sua família. O caixote com a imagem desmontada foi colocado junto à outra carga cujo conteúdo não precisava ser tocado durante a travessia.

O navio chamava-se “RIGHI” e transportava grande número de imigrantes italianos.

Nota – Arroio Grande: Não se trata do município do extremo suI do estado, mas de uma Linha entre os rios da Colônia Silveira Martins, a meio caminho da cidade de Santa Maria a Nova Palma. É uma capela pertencente à Paróquia de São Pedro, de Arroio Grande. Lá encontra-se a residência de alvenaria, pertencente hoje aos Serafini, onde está incrustado na parede o quadro de Nossa Senhora do Rosário trazido da Itália pela família Londero (Informação de Pe.Sponchiado).

O incêndio

A tradição conta que o incêndio foi causado acidentalmente por dois marinheiros pela explosão de uma pipa de álcool que espalhou fogo pela coberta e mastaréus e com ele o pavor e a perspectiva da morte.

Marinhagem e passageiros revezavam-se no afã de conter as chamas ou tardar o seu efeito, molhando incessantemente as partes ainda não atingidas. Carga e bagagens que poderiam alimentar o fogo foram jogadas ao mar; o mesmo destino tiveram os mastros, que, em chamas, foram cortados por ordem do capitão. Os animais de abate para alimentação dos passageiros, romperam seus cercados e, na fuga esesperada, pereceram queimados ou tragados pelas ondas.

As mulheres, acuadas, amparavam as crianças e rezavam implorando a salvação. Quando o fogo alcançasse o lastro, o naufrágio seria inevitável! Só a misericórdia Divina poderia mudar o destino do “RIGHI”.

Balde de cobre que pertencia a Antônio Astolfi e que foi usado no combate às chamas. Encontra-se hoje sob a guarda de Zélia Astolfi Camerini, neta de Antônio.

 

O Milagre

As chamas, que já haviam devorado quanto podiam, extinguiram-se, para espanto de todos, bem junto ao caixote que continha a imagem de Nossa Senhora e que havia ficado incólume em meio daquela destruição. Miracolo! Exclamaram todos. As preces, movidas pela fé daquela pobre gente, obtiveram resposta, O milagre era evidente.

 

 

 

O “RIGHI”, agora sem mastro, com as maquinas funcionando precariamente, apagado pela fuligem o nome que o identificava, era apenas um casco de navio, com sua carga humana, quase sem agua e sem alimento e à deriva. Mas os bons ventos, as correntes marítimas e a providencia o levaram a costa brasileira. Após sete dias de penúrias e temores podia-se avistar as Ilhas da Barra do Rio de Janeiro. Sem telegrafo para comunicar sua identificação e situação às guarnições fiscais do porto, lençóis brancos desfraldados na amurada emitiram os sinais de socorro.

O “RIGHI” foi então rebocado até a Ilha das Flores onde desembarcou seus passageiros. Era o dia 28 de janeiro de 1885. Do Rio de Janeiro, os colonos foram reembarcados em navios costeiros que os transportaram ao Rio Grande do SuI e então encaminhados para as diferentes colônias de destino.

E a 22 de fevereiro, na capelinha de Arroio Grande, com missa cantada, fez-se a benção da imagem, primorosamente vestida pelas mulheres, que passou a ser conhecida pelo nome de “La Madonna degli Immigranti” e, todos os anos, no primeiro domingo de outubro é festejada em grande “sagra” e espera, quem sabe, a visita dos descendentes daqueles que com ela vieram da distante pátria italiana num navio que, em alto mar, teve um incêndio a bordo e foi salvo por miraculosa intervenção divina.

O que dizem os documentos

A curiosidade transformou-se em necessidade de saber notícias mais precisas e levou-nos a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde, em consulta ao “Jornal do Comercio”, edição de 29 de janeiro de 1885, 5o feira, obtivemos algumas informações essenciais: o RIGHI, um navio
de 96 (96) toneladas, equipagem, 31, tendo como comandante B.Muzio, dera entrada no porto no dia anterior (dia 28, 4o feira), tendo a bordo 862 passageiros de 3o classe e 16 em transito. Os passageiros de 3o classe eram os nossos imigrantes.

A notícia seguinte a encontramos na mesma edição do jornal, na coluna “Gazetilha”, com o título Imigrantes e que transcrevemos literalmente na grafia da época:

Emigrantes – No vapor italiano Righi, entrado hontem em nosso porto, chegarao-nos 862 immigrantes que se destinao, na maior parte, as províncias de S.Paulo e Rio Grande do SuI. Forao transportados com prontidão para a hospedaria da ilha das Flores, onde acharão dispostos, convenientemente, todos os serviços de agasalho. O transporte efectuou-se com a costumada regularidade, tendo-se achado a bordo o Sr. Tenente-Coronel Accioly e Vasconcellos, inspector-geral das terras e colonização. A viagem do Righi foi arriscadíssima, e o vapor, segundo de boa fonte fomos informados, não offerece as condições necessárias ao
serviço de transporte de immigrantes, sendo muito para lamentar o estado de desaceio em que foi achado. Tendo partido de Genova, apanhou o navio temporal violento que o forçou a arribar a outro porto da Itália, tendo sido necessário lançar a mar a maior parte das provisões.

 

Ha. 4 dias, na altura dos Abrolhos, manifestou-se a bordo, incêndio que durou por 26 horas queimando-se a Câmara do Commandante e o porão com a carga que trazia na parte de ré. O navio foi julgado perdido, e o commandante telo-hia encalhado na costa do Espírito santo se lho não impedisse a difficuldade de manobrar com a machina em conseqüência do fumo. Extincto com grande custo o incêndio, tomou o commandante a deliberação de seguir para o Rio de Janeiro.

 

A maior parte da bagagem dos immigrantes foi consumida pelo incêndio.

 

O desaceio do vapor e sua imprestabilidade para o transporte de immigrantes são fatos de que temos noticia de insuspeita origem. Nem o publicaríamos se assim não fosse. Parece-nos que, isto verificado, cumpre tomar providencias que obstem a proceder tão inconveniente. O governo italiano, e qualquer outro, chegariam de boa mente a accordo sobre recíproca vigilância destinada a impedir abusos desta categoria. Por menos agradável que seja a immigracao a alguns governos europeus, impossível e impedi-Ia e, desde que elas se da, tem os mesmos governos, a obrigação de velar pela sorte dos seus subditos que se aventurao a travessia do Oceano.

Outra pequena nota, na mesma coluna, informa que dois colonos italianos, Alborghetti Jeremias e Zofinette Angelo, com várias queimaduras pelo corpo ocasionadas pelo incêndio que se manifestou a bordo do vapor Righi haviam sido recolhidos ao hospital da Misericórdia.

Sabíamos, por consulta no Arquivo Nacional, que a primeira viagem do “RIGHI” depois do acontecimento sinistro de 1885, dera-se dois anos após, ou seja, em janeiro de 1887. Foi ainda o “Jornal do Comercio”, edição de 23.1.1887 que nos confirmou o fato:

“Chegada ao Rio de Janeiro, 22 de janeiro, 1887; Procedência, Genova; Escalas, São Vicente e Ilha Grande; 44 dias (9 horas do último); vapor italiano Righi: 947 toneladas; Comandante, G.E. Dellepiane; equipagem, 36; Carga: vários gêneros”. G.N. de Vincenzi; passageiros, 1.010 de 3o classe.

Dados obtidos em documento da internet da
ASOCIACION DANTE ALIGHIERI de Buenos Aires.

Hector Pautrier

Capitão da marinha. Comissionista. Nasceu em Novi Ligure (Alexandria),
em 1857, Fez seus estudos náuticos em Genova, onde obteve o
diploma de Capitão Ultramar em 1881. Foi oficial da marinha mercante
nos vapores da Sociedade Lavarello. Em 1885 lhe foi outorgada a
medalha de valor da marinha pelo heroísmo demonstrado na extinção

do incêndio ocorrido a bordo do vapor RIGHI.

Curiosidade sobre a bagagem dos imigrantes

As bagagens eram verificadas nos navios ou na própria Hospedaria. A recepção delas era um problema. Ao aportar no Rio de Janeiro, os passageiros desembarcavam, e aqueles que não possuíam destino prévio eram encaminhados à Hospedaria da Ilha das Flores. Suas bagagens muitas vezes não eram desembarcadas, e os navios seguiam viagem. Por vezes, os imigrantes eram enviados à hospedaria, e suas bagagens eram remetidas dias depois, quando já tinham partido para seu destino final. Visando à solução e a evitar problemas de envio desses pertences, o ministério passou a cobrar dos capitães dos navios maior agilidade na liberação das bagagens. Não tendo surtido o efeito esperado, passou a designar um funcionário para ir a bordo e as localizar. Por fim, o Ministério passou a se responsabilizar pelos extravios,
indenizando as perdas. Em 1888 foi construído o primeiro galpão específico para o armazenamento das bagagens e também foram comprados equipamentos de desinfecção. (VASCONCELLOS, 1889, p. 12-13).

 

A lista de passageiros do “RIGHI”

No Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Seção de consultas sob a notação “Entrada de Imigrantes”, Ilha das Flores – Livro 13″, obtivemos a lista de passageiros de 3o classe do vapor “Righi”. São quase 800 nomes de chefes de famílias, com seus dependentes, e de solteiros, entrados na Hospedaria dos Imigrantes, na ilha das Flores, no dia 28 de janeiro de 1885.

Do Rio de Janeiro, aqueles destinados a Porto Alegre, foram embarcados, no dia 1o de fevereiro, em um navio costeiro, cujo nome desconhecemos, e chegaram a capital do estado cerca de uma semana mais tarde e logo encaminhados as diferentes colônias para se
estabelecerem. Antônio Astolfi, para a Linha Zamith, lote n° 26, pertencente à Colônia Dona Izabel, hoje Bento Gonçalves.

Em 13 de março, nascia no barracão dos imigrantes da colônia Dona Izabel, hoje Bento Gonçalves, Antônio, o primeiro filho brasileiro de Antônio Astolfi e Thereza Azzalini, passageiros do “Righi”, que abrem a relação que segue, de alguns nomes que escolhemos para ilustrar este trabalho.

ASTOLFI, Antônio (33) c.c. Theresa (28); Pierina (8); Eugenio (6); Eugenia (3); Virginia (2).
ARGENTA; Giuseppe (40) c.c. Francesca (30); Roza (9); Paolo (8); Luigi (3).
BALBINOTE, Domenico (31) c.c. Benedetta (29); Catarina (4).
BALBINOTE, Francesco (35) c.c. Catarina (33); Antônio (9), Augusta (7); Domenico (5); Agostino (3); Chiara (2) –
foram para Pelotas.
BARP, Agostino (35) c.c. Antônia (32); Ângelo (8); Eugenia (4); Antônia (1).
BARP, Antônio c.c. Giovanna (26); Ângela (11); Thomaso (9); Rachele (7); Anna (4); Carlo (2).
BARP, Domenico (36) c.c. Lucrécia (33); Carolina (5); Prima (3); Luigia (1); Maria (12); Antônia (12).
BARP, Domenico (76) c.c. pierina (66); Theresa (33) solteira, Angelina (24).
BATISTELLA, Giuseppe (22) c.c. Pierina (25); Giovanni Mg. (5); Maria Theresa (2); Francesco Mg (4 meses)
BATISTELLA, Valentino (25) solteiro.
BATISTELLA, Antônio (25) c.c. Maria (32); Daniele (10); Andrea (7); Augusta (4); Ângelo (1); Luigi (23) solteiro,
Theresa (62) viúva.
BATISTELLA, Giovanni (30) c.c. Fiorina (25); Valentino (3).
BATISTELLA, Pietro (26) c.c. Madalena (24); Maria (9 meses).
BOF, Pascua (63)v., Giovanni (35) solteiro; Catarina (31) solteira; Pietro (26) solteiro; Giuseppe (24) solteiro;
Margarita (20) solteira.
CAMILOTTI, Domenico (34) c.c. Anna (30); Ângela (5); Santo (1).
DALL’OLIO, Giovanni Batta (54), c., Antônio (18); Luigi (7); Paolo..
FAVRETO, Giovanni (25) solteiro.
FONTANELLA, Agostino, (23) solteiro.
FRAMIA, Luigi (28) c.c. Catarina (24); Josue (3); Perina (1).
GANDIN, Antônio (31) c.c. Anna (25); Giacomo (3); Antônio (1).
GHISLENI, Alessio (27) c.c. Emilia (21); Genoefa (18); Giovanni (32) solteiro; Giuseppe (15); Pascuale (14);
Catarina.
GIUSTI, Ângelo (36), c.c. Onorata (34).
GRANDO, Giovanni Batta (28) c.c. Maria (26); Domenica (2); Ângela (3 meses).
GRANDO, Giovanni (42) c.c. Maria (46); Clementina (15); Ângela (12); Catarina (9), Giacomo (75) viúvo.
LONDERO, Giorgio (52) c.c. Santa (51); Giudita (18); Rosa (11), Maria (10); Andrea (25) c.c. Antônia (23); Santa
(18 meses); Rosa (4 meses).
LONDERO, Girolamo (45) c.c. Lucia (39); Pietro (11); Maria (9); Giuseppe (7); Anna (5); Rosa (3); Antônio (1).
LONGO, Domenico (30) viúvo; Luigi (3); Giovanni (2) falecido dia 29, febre tifoide.
MAGAGNIN, Antônio (41) c.c. Augusta (41).
MAGNAN, Giovanni Batta (50) c.c. Lucia (40); Maria (13); vittoria (11); Luigi (9); Antônio (5); Elisabeta (1);
Theresa (57) solteira.
MANFEY, Giuseppe (22) solteiro.
MELLA, Giuseppe (34) c.c. Pascua (29); Giuseppina (2).
MIOTTO, Antônia (42) viúva; Antônio (13); Giovanni (11).
NARDINO, Ângelo (23) c.c. Maria (26); adjunto (5).
PERIN, Giovanni (30) c.c. Theresa (28); Antônio (9); Ricardo (5).
PERTILE, Domenico (43) c.c. Domenica (39); Lucia (15); Domenico (13); Martino (10); Domenica (3); Antônio (1);
Egidia (12); 51, v. Vittore (33) solteiro.
POLESE, Domenico c.c. Lucia (25); Antônia (9 m).
POLETO, Antônio (40) c.c. Antônia (32); Giacomina (11); Matilde (7); Maria (6); Gustavo (4); Ermenegildo (1).
RIGO, Domenico (35) c.c. Perina (33); Perino (7); Anna (7); Antônio (5), Giovanni (3).
RIGO, Giacomo (24) c.c. Lucia (23); Antônia (4 meses).
RIGO, Pietro (28) c.c. Maria (20); Giacomo (1).
SANTINI, Abdon (49) c.c. Giovanna (50); Calisto (25) solteiro, Taddia (24) solteira; Alfonso (22) solteiro;
Leonardo (19) solteiro; Regina (13).
TOMASETO, Benedetto (34) c.c. Roza;
TOMASETO, Giordano (38) c.c. Luigia (39); Ângelo (13); Luigi (11), Maria (8); Santo (5); Carolina (2 meses).
VARNIER, Eugenio (26) c.c. Maria (22); Madalena (50) viúva; Maria (11).
VEDANA, Benedeto (30) c.c. Lucia (25).
VERNIER, Giovanni (31) c.c. Theresa (25); Pietro (5); Antonio (6 meses).
VERNIERI, Antonio (26) c.c. Maria (23).
VICENSI, Antonio (41) c.c. Maria (40); Pietro (15), Giovanna (10); Battista (6); Anna (3).
ZATTI, Bernardo (38) c.c. Pascua (38); Antonio (15); Maria (13), Alquila (11); Secondo (8); Dante (4 meses);
Alquila (79).